Existe uma ideia entre os artistas mais
inconformados de que os compradores de arte devem comprar diretamente dos
artistas e devem evitar as galerias. Alguns investidores mais agressivos, e
amadores, também defendem esta prática. Por que estão equivocados?
Estes artistas mais rebeldes acreditam que as galerias são os vilões do
mercado, porque retirariam do artista grande parte do valor da obra sob a forma
de comissões. A verdade é que as galerias não retiram valor e sim ajudam a
atribuir valor e trabalham para a valorização permanente da obra. O que existe
é uma parceria entre artistas e galerias, onde os primeiros delegam aos
segundos uma série de serviços. Sobre isto vou explicar mais abaixo. Quanto aos
investidores amadores, eles acham que uma obra comprada no atelier é mais
barata do que na galeria. Isto é um equívoco porque o preço de venda ao público
deve ser sempre o mesmo, independente de ser na galeria ou no atelier. Os
artistas que vendem obras em seus ateliers a preços mais baratos do que na
galeria terão suas obras desvalorizadas pelo mercado, porque seus preços são
instáveis e variam conforme a ocasião. Se o cliente "A" compra uma
obra por 2 mil na galeria, e outro cliente "B" compra uma obra igual
por apenas 1 mil no atelier, na prática o artista está lesando o cliente A, e
está lesando a galeria, que trabalhou para assegurar uma cotação. O vilão nesta
história é o artista, que não é santo.
Como as galerias valorizam os artistas? De várias maneiras: as
galerias são como os empresários dos artistas, fazem representação, conferem um
bom contexto, fazem catalogação das obras, sistematizam o clipping, as
publicações e os currículos dos artistas, gerando assim argumento de venda para
os investidores. Além disso as galerias fazem exposição e conservação de obras,
armazenagem e divulgação junto a críticos de arte e curadores. Não é novidade
que os curadores tem uma relação carnal com as galerias, eles preferem visitar
uma galeria com 20 artistas que sabem compartilhar em equipe, do que visitar 20
ateliers de artistas isolados e que não sabem gerar sinergias com terceiros.
Alguns artistas são muito apegados ao suposto valor de suas obras e não gostam
de pagar comissões. O fato é que uma boa galeria costuma ter diversos custos e
funcionários para dar conta da rotina (divulgação, catalogação, gestão física
do acervo, atendimento, produção de exposições, transportes, assessoria de
imprensa, gestão de mídias sociais, gestão de pessoal, editoração gráfica,
logística internacional, contabilidade, textos, aluguel de espaço, feiras,
contas de luz e telefone, isto sem falar em vendas propriamente ditas) então é
natural que cobrem uma comissão para promover os nomes dos artistas.
Mas os artistas não podem fazer isto tudo que as galerias fazem? Sim,
mas não fazem, e não tem tempo para fazer. Em tese um artista deve fazer arte,
e nem tanto lidar com aspectos comerciais tão extensos, eles tem pouco pendor
para serviços administrativos e comerciais. A galeria oferece uma
sistematização de serviços que facilitam as vidas dos artistas, dos compradores
e dos curadores.
E se um artista contratar assistentes e fizer tudo o que uma galeria faz, só
que para ele mesmo? Existem artistas que são proprietários de
galerias, e isto é ótimo porque representam outros artistas também e possuem
muita paixão pelo negócio. O que também acontece é alguns artistas
terem lojas exclusivas que levam o seu nome, como por exemplo Homero Brito,
Roberto Camasmie e o americano Thomas Kinkade. Sem entrar no mérito da
qualidade do trabalho, que pode ser até bom, estes artistas acabam ficando
marginalizados, justamente por serem excessivamente independentes, não
conseguem estabelecer vínculos com os diversos atores do sistema de arte, não
representam mais ninguém além deles próprios. É evidente que mais formadores de
opinião frequentam as galerias que representam 20 artistas, do que as lojas que
representam um único. Não pretendo questionar o êxito comercial das lojas de
artista, que são até excelentes, mas questiono a capacidade de diálogo destes
artistas com o sistema de arte que é formado por uma plêiade de figuras
influentes que não são atendidas por este tipo de atuação.
É claro que existem bons artistas sem galeria e que merecem uma boa
representação, e não estou aqui dizendo que nunca se deve comprar em atelier. O
que também não se pode defender é que evitem as galerias, senão podemos também
propor que ninguém visite museus, ja que artistas de museu estariam
mancomunados com o mainstream da arte. E nesta lógica marginal poderíamos dizer
que evitem os críticos de arte já que eles seriam a voz oficial da linguagem da
arte, e evitem os curadores ja que eles seriam os guardiões do sistema
"corrompido". Agora, como consultor de arte posso dizer uma coisa...
convém evitar investir em artistas que se recusam a dialogar com o sistema de
arte, porque eles dificilmente serão valorizados pelas coleções, sejam elas
públicas ou privadas. A regra é clara: é dando que se recebe.
Ricardo Ramalho
Aberta Galeria